Desde a separação de Igreja e Estado, por ocasião da Proclamação da República, as Constituições brasileiras salvaguardam os cultos e respectivos templos de tributação por meio de impostos.
Dado o destaque que foi ganhando o caráter finalístico de algumas imunidades, em função dos valores a que estão associadas, o que se observa, seja em matéria de textos constitucionais, seja de decisões do Supremo Tribunal Federal, é, de início, uma vedação de tributação restrita ao culto e ao local, edificação onde este é promovido, chegando ao status atual, em que se consagra a imunidade da entidade que o promove.
Nas Constituições de 1891 (art. 11, § 2º), 1934 (art. 17, II) e 1937 (art. 32, “b”) vedava-se o embaraço aos cultos por meio de tributos, enquanto que nas Cartas de 1946 (art. 31, V “b”), 1967 (art. 20, III, “b”) (e Emenda Constitucional n.º 01/1969, art. 19, III, “b”) e 1988 (art. 150, VI, “b”) passou-se a prever a imunidade dos templos de qualquer culto relativamente a impostos.
A Constituição de 1988 prevê expressamente no seu artigo 150, § 4º, em adição à determinação de que os templos de qualquer culto são imunes a impostos, que tal limitação volta-se ao patrimônio, renda e serviços relacionados às finalidades essenciais das entidades que promovam a prática religiosa.
Resta claro, portanto, que a exoneração tributária em causa, atualmente, não se restringe ao imóvel onde seja promovido o culto, sendo aplicável, por exemplo, a todos os bens da entidade mantenedora voltados às suas finalidades essenciais, às rendas obtidas na prática religiosa (contribuições dos fiéis, por exemplo) ou aplicadas nas finalidades essenciais da organização religiosa e aos serviços religiosos, inclusive onerosos.
Tal regulação, diga-se, está absolutamente alinhada com o quanto prescreve o artigo 5º, VI, da Constituição Federal, no sentido de que é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias.
É interessante notar que a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (“STF”), acompanhou as mudanças nas previsões constitucionais sobre a imunidade aqui tratada, partindo de um entendimento restritivo[1], de que somente os templos em sentido estrito, isto é, as edificações e suas dependências estariam albergados na exoneração, passando a estender à imunidade a outros itens, conquanto relacionados às finalidades essenciais das organizações religiosas.
Nesse sentido, é emblemático o julgamento do RE 325.822-2/SP, que, podemos dizer, constitui atualmente o leading case sobre o tema:
Recurso extraordinário. 2. Imunidade tributária de templos de qualquer culto. Vedação de instituição de impostos sobre o patrimônio, renda e serviços relacionados com as finalidades essenciais das entidades. Artigo 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição. 3. Instituição religiosa. IPTU sobre imóveis de sua propriedade que se encontram alugados. 4. A imunidade prevista no art. 150, VI, “b”, CF, deve abranger não somente os prédios destinados ao culto, mas, também, o patrimônio, a renda e os serviços “relacionados com as finalidades essenciais das entidades nelas mencionadas”. 5. O § 4º do dispositivo constitucional serve de vetor interpretativo das alíneas “b” e “c” do inciso VI do art. 150 da Constituição Federal. Equiparação entre as hipóteses das alíneas referidas. 6. Recurso extraordinário provido[2].
Diante do atual quadro constitucional e jurisprudencial, entendemos ser possível indicar com alguma segurança a amplitude da imunidade voltada a templos de qualquer culto, a qual abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados às finalidades essenciais das organizações religiosas mantenedoras daqueles.
Um ponto que, a nosso ver, merece grande atenção, e que não é tão debatido quanto o alcance da imunidade que estamos comentando, é a regulação infraconstitucional do assunto, designadamente a veiculada pelo Código Tributário Nacional.
A imunidade de templos de qualquer culto não se confunde com a direcionada a entidades de assistência social (art. 150, VI, “c” e § 4º, da Constituição), de tal modo que, se a entidade mantenedora tiver como finalidade essencial a atividade religiosa, as eventuais atividades benemerentes deverão caracterizar-se como serviços religiosos e submeter-se ao regime determinado pelo art. 150, VI, “b” e § 4º, da Constituição e respectiva regulação infraconstitucional.
Pois bem, a respeito da regulação infraconstitucional, a imunidade de templos de qualquer é tão somente repetida pelo artigo 9º do Código Tributário Nacional, que não estabelece nenhuma condição à sua fruição em adição às já determinadas pela Constituição.
O tão debatido artigo 14 do Código Tributário Nacional, portanto, em razão de expressa disposição deste Diploma, somente é aplicável quanto ao patrimônio, renda ou serviços dos partidos políticos, inclusive suas fundações, das entidades sindicais dos trabalhadores, das instituições de educação e de assistência social, sem fins lucrativos.
O Dispositivo em questão determina que a imunidade das entidades acima mencionadas está condicionada à observância dos seguintes requisitos: (i) não distribuírem qualquer parcela de seu patrimônio ou de suas rendas, a qualquer título; (ii) aplicarem integralmente, no País, os seus recursos na manutenção dos seus objetivos institucionais; (iii) manterem escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos de formalidades capazes de assegurar sua exatidão.
Independentemente do quanto prevê o artigo 14 do Código Tributário Nacional, a manutenção de escrituração regular é voltada a toda sorte de entidade brasileira, quer frua de algum benefício, ou não. Em razão disto, terminam por interessar mais de perto os 02 (dois) outros requisitos, os quais não são aplicáveis às organizações religiosas, pelos motivos sobre os quais discorremos anteriormente.
Dito de outro modo, as entidades que tenham por finalidade essencial a prática religiosa, respeitadas as limitações próprias da sua natureza (i. e. não buscar lucro) e as suas finalidades essenciais, podem, por exemplo, distribuir parcela de seu patrimônio mediante doação a um projeto humanitário à outra entidade, religiosa ou não, que pratique atividades assistenciais, enviar recursos ao exterior para financiar a prática religiosa fora dos domínios do território brasileiro.
A respeito dessa última situação, a Receita Federal, por meio da Solução de Consulta COSIT n.º 16/14, manifestou-se nessa mesma linha que propusemos: “O envio de missionários, obreiros, sacerdotes ou qualquer autoridade religiosa para qualquer parte do mundo, depende, em regra, de um conjunto de ações relacionadas a preparação, treinamento, capacitação, manutenção e permanência ou estada no local de destino. A própria instituição religiosa imune, se habilitada, pode realizar tais ações sem prejuízo de sua imunidade”.
É importante sublinharmos que as entidades mantidas por organizações religiosas, mas que não promovam a prática religiosa, não são elegíveis à imunidade aqui tratada. Neste caso, em que pese a orientação de suas atividades segundo preceitos religiosos, somente poderão beneficiar-se das outras modalidades de imunidade, notadamente a voltada a instituições de educação e entidades de assistência social, situação em que estariam sujeitas ao quanto estabelecido pelo art. 14 do Código Tributário Nacional.
[1] RE n.º 21.826/DF, Primeira Turma, rel. Min. Ribeiro da Costa, julgado em 02.07.1953, publicado no DJ de 31.12.1953.
[2] RE n.º 325.822-2/SP, Tribunal Pleno, rel. Min. Ilmar Galvão, relator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, julgado em 18 de dezembro de 2002, publicado no DJ de 14.05.2004 – grifamos.
Renato Nunes | Alexandre Zanetti
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