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Alerta Digital

Coleta de informações étnico-raciais passa a ser obrigação legal: interface entre relações trabalhistas e LGPD

Em 24 de abril de 2023, foi publicada a Lei nº 14.553/2023, que estabelece procedimentos e critérios de coleta de informações relativas à distribuição dos segmentos étnicos e raciais no mercado de trabalho. Com isso, os registros administrativos direcionados aos empregadores dos setores público e privado deverão conter campos destinados a identificar o segmento étnico e racial a que pertence o trabalhador retratado no respectivo documento.

O atendimento a essa obrigação legal requer especial atenção da empresa, dada a interseccionalidade com temáticas e procedimentos envolvendo a área de gestão de pessoas, bem como aspectos trabalhistas e relativos à proteção de dados pessoais.

Em primeiro lugar, é relevante a compreensão de que a nova lei alterou dispositivos do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/2010), justamente, quanto ao capítulo que trata da implementação de políticas voltadas para a inclusão da população negra no mercado de trabalho.

Nesse sentido, segundo o Estatuto da Igualdade Racial, devem ser promovidas pelo Poder Público ações que assegurem a igualdade de oportunidades no mercado de trabalho, inclusive mediante a implementação de medidas visando à promoção da igualdade nas contratações do setor público e o incentivo à adoção de medidas similares nas empresas e organizações privadas. Dentre elas, está a adoção de políticas e programas de formação profissional, de emprego e de geração de renda voltados para a população negra.

Sendo assim, verifica-se que as disposições previstas na Lei nº 14.553/2023 objetivam proporcionar o alcance da igualdade de oportunidades no âmbito laboral, constituindo fonte de subsídios para a elaboração de políticas públicas.

Com a nova lei, passa a ser dever dos empregadores incluir, em documentos e registros administrativos, campos para que o trabalhador identifique o segmento étnico e racial a que pertence, com base no critério da autoclassificação em grupos previamente delimitados.

Dentre os documentos que deverão contemplar tais campos para preenchimento, estão (i) formulários de admissão e demissão no emprego; (ii) formulários de acidente de trabalho; (iii) instrumentos de registro do Sistema Nacional de Emprego (Sine); (iv) Relação Anual de Informações Sociais (Rais); (v) documentos destinados à inscrição de segurados e dependentes no Regime Geral de Previdência Social; e (vi) questionários de pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Conforme disposto em lei, também haverá extensão obrigatória a outros documentos ou registros de mesma natureza identificados em regulamento.

Mas qual a intersecção desta Lei com a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 – “LGPD”)?

Conforme definido na LGPD, os dados pessoais étnicos e raciais são dados pessoais sensíveis. Isto é, são dados pessoais que merecem uma maior atenção e cuidado, devido ao seu potencial lesivo e discriminatório, caso sejam utilizados de maneira indevida.

A partir da Lei nº 14.553/2023, a coleta desses dados pessoais tornou-se imprescindível para as instituições, privadas ou públicas. Assim, estas possuem legitimidade para tratar estas informações, tendo em vista a obrigação legal imposta, sendo inclusive uma das hipóteses legais para o uso de dados pessoais.

Apesar da coleta ser obrigatória nos casos previstos em Lei, não significa que esses dados poderão ser tratados sem os devidos cuidados. As instituições deverão observar todos os princípios de proteção e privacidade e as disposições trazidas pela LGPD, em especial por tratar-se de dados pessoais sensíveis, os quais possuem tratamento diferente dos dados pessoais “comuns”. 

As organizações deverão estar preparadas para a coleta e o armazenamento desses dados, com a adoção de medidas aptas a garantir a segurança durante todo o tratamento, revisão das matrizes de mapeamento e das políticas da empresa, bem como propiciar um ambiente seguro no armazenamento destas informações, assegurando que o tratamento esteja protegido contra acessos de terceiros não autorizados.

Um outro ponto importante é a observância do princípio da finalidade, ou seja, os dados pessoais coletados só poderão ser utilizados para a finalidade pela qual foram coletados. Neste caso, os dados dos empregados relacionados a etnia e raça deverão ser utilizados apenas para a promoção da igualdade racial e combate à discriminação e, se forem utilizados para finalidade diversa, o processo deverá ser validado pelo time de privacidade.

Diante disso, é imprescindível que a implementação da nova Lei nº 14.553/2023 esteja em conformidade com a LGPD, assegurando a proteção dos dados pessoais sensíveis, a transparência com os empregados e a utilização dos dados apenas para finalidade prevista.