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Segregação de Receitas de grupos econômicos no Regime do Lucro Presumido sob a ótica da Receita Federal e Precedentes do CARF

A segregação de atividades da empresa em diferentes pessoas jurídicas é uma estrutura recorrente utilizada pelos contribuintes para mitigação da imposição legal do artigo 14 da Lei nº 9.718/1998, cujo objetivo é realocar as receitas tributárias, a fim de que cada empresa, individualmente, não atinja o limite de obrigatoriedade de apuração pela sistemática do lucro real.

Por segregação de receitas e atividades, entende-se a operação em que determinada pessoa jurídica desmembra o seu negócio em mais de uma pessoa jurídica, de sorte que as partes cindidas venham a explorar individualmente as atividades segregadas, com manutenção das relações societárias entre as diferentes empresas do mesmo grupo econômico, normalmente controladas por uma holding. Essa opção pode implicar ganhos em eficiência fiscal e melhoria das organizações.

Embora a escolha do regime tributário seja um direito assegurado ao contribuinte, há casos em que a autoridade fiscal desconsidera essa opção quando identifica a existência de confusão patrimonial entre os estabelecimentos. Em vista disso, há uma linha bastante tênue entre o que se considera opção fiscal e planejamento tributário simulado na visão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF).

Partindo desse entendimento, ao longo do tempo alguns julgados do CARF passaram a adotar fatores determinantes para legitimar a reestruturação das sociedades de forma segregada. Tais fatores podem ser utilizados como indícios da existência ou não de confusão patrimonial na reorganização do negócio. Nos próximos parágrafos passaremos analisar aqueles que mais reiteradamente são utilizados pelos julgadores como elementos de caracterização da confusão patrimonial.

O primeiro deles é a criação de sociedades com o mesmo objeto social no mesmo endereço em que localizados os demais estabelecimentos do grupo econômico, nas quais não haja limitações em sua estrutura física, operacional ou organizacional. A criação de sociedades em endereços iguais ou contíguos, embora não seja considerada uma prática irregular perante o CARF, é um dos elementos caracterizadores de confusão patrimonial quando elaborada artificialmente.

Em que pese o fato de a manutenção de estrutura em ambientes que não conservem a individualidade dos estabelecimentos, por si só, não seja determinante para a caracterização de ato simulado, quando observado conjuntamente com os demais indícios caracterizadores da confusão patrimonial pode ser objeto de contestação pela autoridade fiscal.

Outra evidência de confusão patrimonial é a falta de estrutura financeira e contábil individualizada por sociedade. A importância dessa análise decorre do princípio da autonomia patrimonial (ou princípio da entidade), segundo o qual é obrigatório que cada ente tenha sua própria contabilidade, apropriando-se das receitas e despesas pertencentes a cada unidade.

Não se trata de mero critério de conformidade às práticas contábeis, mas obrigação legal, porquanto o artigo 176 da Lei nº 6.404/1976, aplicável de forma subsidiária às sociedades limitadas, determina a clareza na prestação das informações do patrimônio em cada exercício.

A escrituração financeira, contábil e fiscal precisa refletir a realidade das operações realizadas por cada sociedade, de forma autônoma e dissociada das demais entidades do grupo econômico. Por esse motivo, as provas documentais da inexistência de segregação de receitas e despesas precisam ser contundentes ao ponto de demonstrar que as rubricas de fato (e de direito) estão vinculadas à entidade na qual foram incorridas. A mera segregação de receitas sem respaldo probatório é elemento decisivo para a caracterização de ato simulado[1].

A utilização do mesmo quadro profissional entre as sociedades, sem a devida separação das atividades relacionadas à cada pessoa jurídica, também é apontada pelo CARF como um dos indícios de confusão patrimonial[2]. Sociedades sem colaboradores registrados, registrados em empresas sem operação ou cujo pagamento é feito de forma “rotativa” por cada uma das sociedades são elementos que colaboram para identificação de estruturas simuladas.

Isso pode ser solucionado no cenário em que as sociedades pertencentes ao mesmo grupo econômico pactuam o compartilhamento de atividades administrativas.

A Instrução Normativa nº 971/2009, da Receita Federal, caracteriza grupo econômico como a união de duas ou mais empresas que estão sob a mesma direção, controle ou administração, de modo a compor um grupo industrial, comercial ou qualquer outra atividade econômica.

O CARF também tem se alinhado a esse entendimento, compreendendo que o comando representado pelo mesmo quadro societário, com atividades desenvolvidas de forma integrada por duas ou mais sociedades, caracteriza a existência de um grupo econômico[3].

Conclui-se, portanto, que inexiste vedação para criação de grupos econômicos. O que se proíbe é a criação de grupos econômicos irregulares, ou seja, elaboração de estruturas regidas sob um único comando sem autonomia patrimonial e operacional das entidades individuais[4].

Nesse universo, o CARF possui entendimento consolidado que a mera segregação das atividades desenvolvidas por empresas de um mesmo grupo econômico não configura simulação, desde que respeitadas as legislações pertinentes de cada tributo[5].

Assim, não é raro que as atividades exercidas pelos colaboradores das empresas sob o mesmo comando sejam centralizadas em determinados departamentos administrativos, como forma de organizar o fluxo de trabalho e diminuir os custos e despesas. A centralização das atividades de sociedades de um mesmo grupo por meio de uma mesma estrutura operacional compartilhada é legítima no direito brasileiro e dela decorrem determinadas ações que beneficiam a coletividade, como a realização da prestação de serviços de caráter instrumental por determinadas equipes ou setores.

A prestação desses serviços resulta no compartilhamento dos custos pelas sociedades (cost sharing), prática também aceita pela Receita Federal. Não por outras razões, o órgão publicou a Solução de Consulta Cosit nº 149/2021, que conclui que o reembolso auferido pela empresa centralizadora em decorrência do contrato de rateio firmado pelas empresas do grupo econômico não será considerado receita para fins de apuração do IRPJ e da CSLL no regime do lucro presumido nem do PIS e da COFINS no regime cumulativo. Para que possam usufruir dessa condição, as sociedades precisam ater-se aos critérios nela estabelecidos.

O tema vem repercutindo no âmbito do CARF. Em julgado recente, a 1ª Turma da 4ª Câmara entendeu que a mera formalização de contrato de compartilhamento de despesas não pode ser alegada como condição de simulação para empresas que dividem a mesma estrutura e possuem os mesmos funcionários. Para que a operação seja desconsiderada, é necessário provar a que as empresas pertencentes ao grupo econômico agiram de forma simulada[6].

Diante do exposto, é necessário ponderar que a opção pelo lucro presumido é individual, apurada por cada sociedade pertencente ao grupo econômico. O fato de duas ou mais sociedades integrarem um grupo econômico não traz, por si só, qualquer restrição com relação à adoção do lucro presumido por qualquer uma delas[7]. Apenas nas hipóteses em que há caracterização de estrutura simulada, decorrência da utilização dos elementos caracterizadores de confusão patrimonial, seria possível que as autoridades fiscais desconsiderassem a segregação e autuassem o contribuinte, desqualificando a opção pelo lucro presumido e consolidando toda a tributação no lucro real.

 

Por Isaías Luz da Silva

Referências:

[1] Acórdão nº 9101-002.397.

[2]  Acórdão nº 9101-004.333.

[3] Acórdão nº 2201-007.427.

[4] Parecer Normativo nº 4, de 10 de dezembro de 2018.

[5] Acórdão nº 3302-003.138.

[6]  Acórdão nº 3401-009.799.

[7] Acórdão nº 9101-002.795.