Em novembro de 2024, o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”) julgou o Incidente de de Assunção de Competência n° 16, que tratou da possibilidade de autorização para importação e cultivo de variedades de Cannabis, que podem ser utilizadas para produção de medicamentos e demais subprodutos para usos exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais.
No julgamento, a Ministra Relatora Regina Helena Costa evidenciou que o cânhamo industrial e a maconha são variedades distintas da Cannabis. Embora ambas contenham THC e CDB, o cânhamo não possui quantidades suficientes de THC para produzir efeitos psicotrópicos.
Por outro lado, estudos nacionais e internacionais evidenciaram o potencial terapêutico de derivados da Cannabis na redução de sintomas de inúmeras doenças e transtornos humanos.
O STJ destacou que a importação, o cultivo e o comércio da Cannabis são proibidos, independentemente do nível de THC, dado que a ANVISA não faz distinção entre as diferentes partes da planta.
Ainda assim, ao Poder Judiciário cabe a adoção de medidas que visam assegurar os direitos constitucionais reconhecidos como essenciais, sem violar princípios, como a separação de poderes e a reserva do possível.
Assim, o STJ fixou algumas teses, a seguir reproduzidas:
I – Nos termos dos arts. 1°, parágrafo único, e 2°, caput, da Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), não pode ser considerado proscrito o cânhamo industrial (Hemp), variedade da Cannabis com teor de Tetrahidrocanabinol (THC) inferior a 0,3%, porquanto inapto à produção de drogas, assim entendidas substâncias psicotrópicas capazes de causar dependência;
II – De acordo com a Convenção Única sobre Entorpecentes (Decreto n. 54.216/1964) e a Lei n. 11.343/2006 (Lei de Drogas), compete ao Estado brasileiro estabelecer a política pública atinente ao manejo e ao controle de todas as variedades da Cannabis, inclusive o cânhamo industrial (Hemp), não havendo, atualmente, previsão legal e regulamentar que autorize seu emprego para fins industriais distintos dos medicinais e/ou farmacêuticos, circunstância que impede a atuação do Poder Judiciário;
III – À vista da disciplina normativa para os usos médicos e/ou farmacêuticos da Cannabis, as normas expedidas pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Portaria SVS/MS n. 344/1998 e RDC n. 327/2019) proibindo a importação de sementes e o manejo doméstico da planta devem ser interpretadas de acordo com as disposições da Lei n. 11.343/2006, não alcançando, em consequência, a variedade descrita no item I (cânhamo industrial – Hemp), cujo teor de THC é inferior a 0,3%;
IV – É lícita a concessão de autorização sanitária para plantio, cultivo, industrialização e comercialização do cânhamo industrial (Hemp) por pessoas jurídicas, para fins exclusivamente medicinais e/ou farmacêuticos atrelados à proteção do direito à saúde, observada a regulamentação a ser editada pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e pela União, no âmbito de suas respectivas atribuições, no prazo de 06 (seis) meses, contados da publicação deste acórdão; e
V – Incumbe à Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA e à União, no exercício da discricionariedade administrativa, avaliar a adoção de diretrizes destinadas a obstar o desvio ou a destinação indevida das sementes e das plantas (e.g. rastreabilidade genética, restrição do cultivo a determinadas áreas, eventual necessidade de plantio indoor ou limitação quantitativa de produção nacional), bem como para garantir a idoneidade das pessoas jurídicas habilitadas a exercerem tais atividades (e.g. cadastramento prévio, regularidade fiscal/trabalhista, ausência de anotações criminais dos responsáveis técnicos/administrativos e demais empregados), sem prejuízo de outras medidas para preservar a segurança na respectiva cadeia produtiva e/ou comercial.
A íntegra do Acórdão encontra-se disponível aqui.
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